Não apenas as cores da primavera chegaram por aqui em setembro, mas também os diversos sons e cores das aves migratórias. Você já reparou nas aves migratórias? Conhece alguma espécie que pode ser encontrada nas áreas verdes da sua cidade?
Pensando em conscientizar as pessoas sobre as aves migratórias e sobre a necessidade de cooperação internacional para conservá-las foi criada essa data comemorativa, que é apoiada pela ONU e organizada por instituições ambientais internacionais*. Essas cooperações são essenciais, visto que as aves não vêm barreiras geográficas e utilizam diversas regiões de um país ou mesmo de vários países para se reproduzir, descansar da reprodução e parar ao longo da viagem.
Aqui no Brasil, atualmente, nosso conhecimento sobre as aves migratórias está mais evidente para as espécies que viajam longas distâncias, como por exemplo, as aves limícolas. Muitas dessas aves pernaltas, que são encontradas geralmente se alimentando na lâmina d´água, vêm da América do Norte passar o período em que não se reproduzem aqui no Brasil. A incrível jornada que esses animais fazem é hoje conhecida graças, principalmente, às novas tecnologias.
No entanto, a migração já foi motivo para muitas lendas e mistérios. Eu montei um vídeo que resume algumas das principais lendas e que está disponível no YouTube. Também já abordei como foi desvendado o segredo desse comportamento. Hoje, quero relatar algumas curiosidades sobre o incrível mundo das aves migratórias, principalmente sobre aquelas que ocorrem no Brasil. E, por isso, elenquei cinco curiosidades sobre elas.
1 – O formato do corpo muda Você conseguiria imaginar que dois grupos (populações) de uma mesma espécie de ave teria o formato de seu corpo diferente pelo simples fato de uma população migrar e a outra não? Foi isso que pesquisadores descobriram ao medir as asas de tesourinhas (Tyrannus savana) aqui no Brasil (migrantes) e outras na Colômbia (não migrantes). Eles descobriram que as aves migratórias dessa espécie tendem a ter asas mais pontudas, o que contribuiu para um corpo mais aerodinâmico e favorece voos rápidos e prolongados. Esse formato permite que as aves sejam melhores sustentadas no ar com um menor gasto energético.
Diferenças no formato das asas também já foram observadas em urubus-da-cabeça-vermelha (Cathartes aurea). Os urubus com menor carga devido ao formato das asas voaram mais longe, mais rápido e mais alto durante suas viagens mais longas. Assim, as diferenças nos tamanhos relativos das asas podem resultar em economia extra durante a migração.
2 – Espécies da cidade grande rumo a Amazônia Outra interessante espécie que faz migração e que foi acompanhada por GPS recentemente é o gavião-caramujeiro (Rostrhamus sociabilis). Capturados no Sul-Sudeste do Brasil, dez indivíduos foram monitorados por dois anos via satélite. Eles saíram da região de captura e foram parar na Amazônia brasileira.
Esse comportamento de sair da região movimentada do país e ir passar férias no Norte do continente sul-americano parece ser uma estratégia interessante para algumas espécies. Algumas dessas aves são facilmente avistadas nas áreas urbanas ou periurbanas durante o período reprodutivo, como é o caso do bem-te-vi-rajado (Myiodynastes maculatus) e da tesourinha (Tyrannus savana). A tesourinha tem inclusive um comportamento diferente quando está no Norte do continente: ao invés de ser vista apenas em casais, como na região de reprodução, na Amazônia elas são encontradas em bandos que podem chegar aos milhares.
3 – Viajantes de longa distância Quando abordamos viajar longas distâncias, o maçarico-acanelado (Calidris subruficollis) é um dos campeões. Carregando pequenos aparelhos de geolocalização acoplados em seus corpos de menos de 100 g, algumas aves trouxeram a resposta dessa incrível jornada. Elas saíram da Argentina, Brasil e Uruguai e viajaram sem parar para a Colômbia, depois para a costa do Texas, seguido por vários movimentos menores dentro das planícies centrais dos EUA e um último voo sem escalas para o Canadá e o Alasca, onde se reproduzem. Essas aves levaram cerca de um mês e meio e pararam de quatro a sete vezes durante a viagem. Foram cerca de 40 mil km se forem somadas as viagem de ida e de volta.
4 – Ficar gordinho para viajar
As aves migratórias se preparam para a viagem e na preparação elas chegam a acumular reservas de gordura de até 40-60% de seu peso corporal. Em contraste, as espécies não migratórias mantêm uma “carga de gordura” de cerca de 3% a 5%. Essa carga extra é essencial e elas gastam tudo (ou quase tudo) durante a viagem.
Beija-flores também podem migrar. Pairando na frente de uma flor para se alimentar do néctar, essas pequenas aves batem suas asas mais de 50 vezes por segundo e precisam de muito néctar e insetos para repor suas energias – cerca de metade do seu peso diariamente. A espécie da América do Norte Archilochus colubris pode viajar do Canadá para a Costa Rica a uma velocidade de até 48 km/h. Eles migram do sul da Flórida para a península de Yucatán, no México, podendo completar toda a sua migração em voo sem escalas, que pode chegar a quase 900 quilômetros! Para conseguir essa proeza, eles conseguem dobrar de peso durante a pré-migração e um beija-flor de 3 g adiciona 2 g de gordura para impulsionar sua migração. Seus instintos dizem quando estão gordinhos o suficiente para viajar . No Brasil, temos espécies como o beija-flor-preto (Florisuga fusca) que é migratório, porém não conhecemos ainda sobre a sua migração.
5 – Aproveitando a noite A grazina-de-trindade (Pterodroma arminjoniana) é uma ave migratória que aproveita a noite no oceano para se alimentar. Os indivíduos passam mais tempo forrageando à noite do que durante o dia. Eles migram através do Atlântico tropical para o Atlântico noroeste, onde passam a temporada não reprodutiva. Diversas espécies aproveitam o período noturno para viajar, inclusive as luzes muito intensas das cidades podem atrapalhar esse movimento, como já foi visto no EUA.
Mas falando em não dormir, os andorinhões-reais (Apus melba), que viajam entre a Europa e a África, são um exemplo de aproveitamento de tempo. Eles fazem essa viagem em seis meses, tempo em que nunca param de voar! Na verdade, há muito pouca evidência para sugerir quanto tempo eles dormem, já que os dados das pesquisas mostraram que essas aves ficaram em voo todo esse tempo.
As observações que você faz e reporta sobre as aves são muito importantes para a Ciência. Para as aves migratórias pode ainda revelar vários comportamentos que são desconhecemos. Eu já dei alguns exemplos de como os observadores de aves podem contribuir para o conhecimento das aves migratórias. Portanto, seja um cidadão cientista.
*Convenção sobre a Conservação de Espécies Migratórias de Animais Selvagens (Convention on the Conservation of Migratory Species of Wild Animals – CMS) e o Acordo de Aves Aquáticas Migratórias Africano-Eurasiáticas (African-Eurasian Migratory Waterbird Agreement – EWA), e a ONG de Meio Ambiente para as Américas (Environment for the Americas – EFTA).
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